SIMBOLISMO E METÁFORA
Texto de Cristina Valquíria Aguiar
O Ragnarök simboliza a batalha entre as forças da Ordem e do Caos, o eterno conflito das polaridades entre luz/trevas, dia/noite, masculino/feminino, recriando a condição primordial do início da Criação como um acto de perpétua continuidade. É também a prova da capacidade cíclica de renascimento dos organismos vivos, ao longo dos compromissos sazonais: Verão e Inverno. Neste caso, é a escuridão que prevalece, sendo uma condição necessária para ditar o fim, o aniquilamento de um estado em decadência. A luz é a cambiante dominante no culminar do processo destrutivo, atestando que nada tem um fim, ressuscitando dos destroços, seguindo uma corrente sequencial – um eterno retorno ao Vazio inicial. No início da Criação existia apenas o Abismo dos Abismos (Ginnungagap), um vórtice negro aparentemente vazio, pois estava impregnado com o poder criador proveniente da acção das massas quentes de Muspelheim e as massas frias de Niflheim, e desta fusão nasceu Ymir, o gigante primordial e de cujo corpo nasceu Midgard e do seu sangue o oceano. O abismo é uma expressão aplicada quer na situação do caos tenebroso das origens, quer nas trevas infernais do Dia do Julgamento. Ginnungagap situava-se no centro do conflito entre os opostos: Niflheim, o Mundo Nebuloso e do Gelo, a norte; e Muspelheim, a sul, onde crepitava o Fogo Cósmico, que voltariam agir no Ragnarök, desta vez num processo inverso.
O regresso do espírito do Sol, Balder, do mundo dos mortos significa o fim das trevas do Inverno e do Conhecimento, e com ele vem a certeza do restauro da vegetação após a tortura do frio e a glória desenvolvimento espiritual do Iniciado, depois da travessia pelo submundo e superado o seu caos interior.
O confronto apocalíptico do Ragnarök estabelece uma nova ordem, ao mesmo tempo simboliza o confronto entre o Inverno e o Verão, e a luta interna do indivíduo com a sua faceta inferior - o espírito e alma buscam por um diálogo comum para interagirem na emancipação da consciência do ser humano. A dicotomia dos opostos é necessária a qualquer passo evolutivo.
Na mitologia Nórdica os deuses estão submissos ao destino humano – também morrem. E, tal como o ser humano, têm a susceptibilidade de se deixarem corromperem pelos vícios e pelo descomedimento ético. A purga impõe-se para que surja uma nova ordem, um panteão renovado e imaculado. A perfeição é a meta – a integração pacífica da dualidade. No final dos Tempos, as divindades fundem-se e são aniquilados pela sua faceta instintiva e destruidora. Travam uma luta intestina para não serem devorados pelas deformações que os aproxima à condição mortal da Humanidade.
Odin enfrenta o lobo-gigante Fenris: Odin é a divindade do furor, do êxtase, da embriaguez, do estado alterado da consciência. É a inspiração da imortalidade do guerreiro que o convence à superação dos limites, ao exacerbar as emoções até ao ponto da alienação. Odin é obrigado a defrontar o lobo, seu animal totémico associado à fúria, aos instintos e ao apetite voraz – qualidades utilizadas nas sagas como metáforas para caracterizar a mortandade e a violência nos campos de batalha. Odin luta em agonia para não ser esfacelado pelas mandíbulas vorazes do lobo Fenris. Vidar vinga a morte do seu pai, Odin, granjeando assim a legitimidade da sucessão com deus dos guerreiros.
Frey esmorece ante a força destrutiva do gigante Surtr: Frey, divindade solar, enfrenta o aspecto destrutivo do Sol na figura de Surtr, um gigante proveniente do reino do Fogo. O Fogo e o Sol partilham as mesmas propriedades são, por isso, equivalentes, embora em níveis diferentes. Ambos iluminam, aquecem e potenciam a vitalidade, mas também têm o poder de destruir. O calor intenso do Sol desidrata a vegetação, levando-a à extinção. Na qualidade de deus da fertilidade, Frey é levado ao extremo da sua acção solar por influência perversa de Surtr (Tição) entrando ambos em combustão.
Heimdall o Brilhante e Loki aniquilam-se: Heimdall simboliza o brilho da luz e a beleza coruscante do arco-íris e confronta-se com a incandescência do fogo de Loki, cuja luz cega e deturpa a consciência. O resultado é a demência e a extinção dos dois.
Tyr combate Garm: Garm é um cão oriundo do mundo dos mortos para atacar Tyr, o deus da guerra e aquele que durante algum tempo conseguiu amansar as potências do caos, simbolizado no lobo Fenris. Numa luta brutal corpo-a-corpo, Tyr perde a força do triunfo da vida para sucumbir aos poderes da morte, da qual tantas vezes protegeu os guerreiros. Garm e Tyr destroem-se mutuamente.
Thor decapita Jormungandr: A grande serpente Jormungandr foi sempre a grande obsessão de Thor, que a perseguiu constantemente. Thor é o deus dos trovões e dos relâmpagos e o guardião de Asgard (o palácio dos deuses) e, cada vez que golpeava a serpente, o seu martelo produzia faíscas, figurando assim as trovoadas que desencadeavam as tempestades nos mares. Jormungandr foi atirada para o fundo do mar para não ameaçar a estabilidade do mundo terreno. No seu leito aquoso cresceu desmesuradamente, enrolando o corpo em torno da Terra até unir a cabeça à sua cauda e assim sustentava e mantinha a estrutura terrestre. No último dia dos Tempos, Thor desfere violentamente o seu martelo sobre o corpo ondulante da serpente até lhe arrancar a cabeça com um golpe furioso, a descarregar todo o ódio acumulado. Mas acaba por morrer no lago de veneno regurgitado pela enorme serpente. Tanto Thor como a serpente Jormundgandr têm uma função protectora e ambos contém aptidões desestabilizadoras: Thor era impetuoso e parco em inteligência, reagindo impulsivamente, mas também protegia; o grande ofídio quando tranquilo no fundo cerúleo garantia a segurança e a firmeza, porém, quando perturbado pela desordem provocou o colossal dilúvio.
Factores geográficos e climatéricos subjacentes ao Mito
A mitologia escandinava foi escrita por eruditos do século XI inspirados pela paisagem paradoxal da Islândia, uma ilha de origem totalmente vulcânica. Os vulcões coexistiam com os enormes glaciares, numa mistura impossível entre o fogo e o gelo – os dois elementos desencadeantes do Mito da Criação – produzindo uma actividade geotérmica importante. A acção disruptiva dos gigantes do Fogo personifica as erupções vulcânicas, cujo avanço da lava abrasadora dilacera os vestígios de vida nos solos já reduzidos a cinzas, e derrete o gelo, provocando inundações diluvianas (as ondas gigantes criadas por Jormungandr e a invasão dos gigantes do gelo simbolizam a deslocação das placas glaciares por acção do fogo vulcânico). As nuvens vulcânicas escurecem o céu e precipitam uma noite órfã da luz do Sol, da Lua e das estrelas (os lobos devoram o Sol e a Lua).
Os movimentos vulcânicos na Islândia resultam em erupções subglaciais, porque ocorrem debaixo de gelo ou de glaciares. A lava quando arrefecida enriquece a composição mineral dos solos.
A acção eruptiva do Eyjafjallajökull, em Março de 2010, é um excelente testemunho do estado caótico que inspirara os eruditos islandeses na elaboração do Mito da Morte dos Deuses.
Águas sulforosas da Islândia resistem incólumes à acção do frio dos glaciares.
Texto de Cristina Valquíria Aguiar
O Ragnarök simboliza a batalha entre as forças da Ordem e do Caos, o eterno conflito das polaridades entre luz/trevas, dia/noite, masculino/feminino, recriando a condição primordial do início da Criação como um acto de perpétua continuidade. É também a prova da capacidade cíclica de renascimento dos organismos vivos, ao longo dos compromissos sazonais: Verão e Inverno. Neste caso, é a escuridão que prevalece, sendo uma condição necessária para ditar o fim, o aniquilamento de um estado em decadência. A luz é a cambiante dominante no culminar do processo destrutivo, atestando que nada tem um fim, ressuscitando dos destroços, seguindo uma corrente sequencial – um eterno retorno ao Vazio inicial. No início da Criação existia apenas o Abismo dos Abismos (Ginnungagap), um vórtice negro aparentemente vazio, pois estava impregnado com o poder criador proveniente da acção das massas quentes de Muspelheim e as massas frias de Niflheim, e desta fusão nasceu Ymir, o gigante primordial e de cujo corpo nasceu Midgard e do seu sangue o oceano. O abismo é uma expressão aplicada quer na situação do caos tenebroso das origens, quer nas trevas infernais do Dia do Julgamento. Ginnungagap situava-se no centro do conflito entre os opostos: Niflheim, o Mundo Nebuloso e do Gelo, a norte; e Muspelheim, a sul, onde crepitava o Fogo Cósmico, que voltariam agir no Ragnarök, desta vez num processo inverso.
O regresso do espírito do Sol, Balder, do mundo dos mortos significa o fim das trevas do Inverno e do Conhecimento, e com ele vem a certeza do restauro da vegetação após a tortura do frio e a glória desenvolvimento espiritual do Iniciado, depois da travessia pelo submundo e superado o seu caos interior.
O confronto apocalíptico do Ragnarök estabelece uma nova ordem, ao mesmo tempo simboliza o confronto entre o Inverno e o Verão, e a luta interna do indivíduo com a sua faceta inferior - o espírito e alma buscam por um diálogo comum para interagirem na emancipação da consciência do ser humano. A dicotomia dos opostos é necessária a qualquer passo evolutivo.
Na mitologia Nórdica os deuses estão submissos ao destino humano – também morrem. E, tal como o ser humano, têm a susceptibilidade de se deixarem corromperem pelos vícios e pelo descomedimento ético. A purga impõe-se para que surja uma nova ordem, um panteão renovado e imaculado. A perfeição é a meta – a integração pacífica da dualidade. No final dos Tempos, as divindades fundem-se e são aniquilados pela sua faceta instintiva e destruidora. Travam uma luta intestina para não serem devorados pelas deformações que os aproxima à condição mortal da Humanidade.
Odin enfrenta o lobo-gigante Fenris: Odin é a divindade do furor, do êxtase, da embriaguez, do estado alterado da consciência. É a inspiração da imortalidade do guerreiro que o convence à superação dos limites, ao exacerbar as emoções até ao ponto da alienação. Odin é obrigado a defrontar o lobo, seu animal totémico associado à fúria, aos instintos e ao apetite voraz – qualidades utilizadas nas sagas como metáforas para caracterizar a mortandade e a violência nos campos de batalha. Odin luta em agonia para não ser esfacelado pelas mandíbulas vorazes do lobo Fenris. Vidar vinga a morte do seu pai, Odin, granjeando assim a legitimidade da sucessão com deus dos guerreiros.
Frey esmorece ante a força destrutiva do gigante Surtr: Frey, divindade solar, enfrenta o aspecto destrutivo do Sol na figura de Surtr, um gigante proveniente do reino do Fogo. O Fogo e o Sol partilham as mesmas propriedades são, por isso, equivalentes, embora em níveis diferentes. Ambos iluminam, aquecem e potenciam a vitalidade, mas também têm o poder de destruir. O calor intenso do Sol desidrata a vegetação, levando-a à extinção. Na qualidade de deus da fertilidade, Frey é levado ao extremo da sua acção solar por influência perversa de Surtr (Tição) entrando ambos em combustão.
Heimdall o Brilhante e Loki aniquilam-se: Heimdall simboliza o brilho da luz e a beleza coruscante do arco-íris e confronta-se com a incandescência do fogo de Loki, cuja luz cega e deturpa a consciência. O resultado é a demência e a extinção dos dois.
Tyr combate Garm: Garm é um cão oriundo do mundo dos mortos para atacar Tyr, o deus da guerra e aquele que durante algum tempo conseguiu amansar as potências do caos, simbolizado no lobo Fenris. Numa luta brutal corpo-a-corpo, Tyr perde a força do triunfo da vida para sucumbir aos poderes da morte, da qual tantas vezes protegeu os guerreiros. Garm e Tyr destroem-se mutuamente.
Thor decapita Jormungandr: A grande serpente Jormungandr foi sempre a grande obsessão de Thor, que a perseguiu constantemente. Thor é o deus dos trovões e dos relâmpagos e o guardião de Asgard (o palácio dos deuses) e, cada vez que golpeava a serpente, o seu martelo produzia faíscas, figurando assim as trovoadas que desencadeavam as tempestades nos mares. Jormungandr foi atirada para o fundo do mar para não ameaçar a estabilidade do mundo terreno. No seu leito aquoso cresceu desmesuradamente, enrolando o corpo em torno da Terra até unir a cabeça à sua cauda e assim sustentava e mantinha a estrutura terrestre. No último dia dos Tempos, Thor desfere violentamente o seu martelo sobre o corpo ondulante da serpente até lhe arrancar a cabeça com um golpe furioso, a descarregar todo o ódio acumulado. Mas acaba por morrer no lago de veneno regurgitado pela enorme serpente. Tanto Thor como a serpente Jormundgandr têm uma função protectora e ambos contém aptidões desestabilizadoras: Thor era impetuoso e parco em inteligência, reagindo impulsivamente, mas também protegia; o grande ofídio quando tranquilo no fundo cerúleo garantia a segurança e a firmeza, porém, quando perturbado pela desordem provocou o colossal dilúvio.
Factores geográficos e climatéricos subjacentes ao Mito
A mitologia escandinava foi escrita por eruditos do século XI inspirados pela paisagem paradoxal da Islândia, uma ilha de origem totalmente vulcânica. Os vulcões coexistiam com os enormes glaciares, numa mistura impossível entre o fogo e o gelo – os dois elementos desencadeantes do Mito da Criação – produzindo uma actividade geotérmica importante. A acção disruptiva dos gigantes do Fogo personifica as erupções vulcânicas, cujo avanço da lava abrasadora dilacera os vestígios de vida nos solos já reduzidos a cinzas, e derrete o gelo, provocando inundações diluvianas (as ondas gigantes criadas por Jormungandr e a invasão dos gigantes do gelo simbolizam a deslocação das placas glaciares por acção do fogo vulcânico). As nuvens vulcânicas escurecem o céu e precipitam uma noite órfã da luz do Sol, da Lua e das estrelas (os lobos devoram o Sol e a Lua).
Os movimentos vulcânicos na Islândia resultam em erupções subglaciais, porque ocorrem debaixo de gelo ou de glaciares. A lava quando arrefecida enriquece a composição mineral dos solos.
A acção eruptiva do Eyjafjallajökull, em Março de 2010, é um excelente testemunho do estado caótico que inspirara os eruditos islandeses na elaboração do Mito da Morte dos Deuses.
Águas sulforosas da Islândia resistem incólumes à acção do frio dos glaciares.